Identidade no espelho

Cuidar-se é um ato de resistencia e autopreservação

O projeto Identidade no Espelho foi iniciado em 2018. A primeira fase é realizada em parceria com a empresária e cabeleireira Luciana Lourenço, que disponibilizou seu salão de beleza “Rara Beleza Cachos” para que as meninas e adolescentes tivessem um  ‘primeiro olhar’ de cuidado. Com uma equipe preparada para recebê-las, as meninas e adolescentes são atendidas como clientes e cuidadas em um salão de beleza que valoriza a beleza natural dos cabelos, sejam eles ondulados, enrolados ou crespos.  “Essa coisa de se olhar no espelho e se sentir bem, se sentir bonita é o primeiro passo para que elas tenham a autoestima elevada, apesar de tantos traumas e questões que vivenciam, mesmo tão jovens”, diz Luciana.

A segunda etapa, de acordo com a assistente social da BVH, Fernanda Oliveira, é garantir a elas, principalmente às adolescentes, que passam por mudanças físicas e psíquicas e estão em constante reorganização da autoimagem, momentos de discussões e rodas de conversa sobre temas diversos, incluindo raça e gênero.

A ideia é possibilitar um espaço, mediado por uma profissional da área de saúde mental, em que possam se sentir à vontade para falarem de suas vivências e de seus testemunhos sobre como é ser mulher e qual o seu papel na sociedade, discutir e trocar experiências sobre os desafios de abandonar o corpo de menina, deixar a infância e se construir mulher.

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A terceira fase é focar em planejamento pessoal,  financeiro e profissional, oferecendo-lhes base sobre seus direitos e capacitação em tecnologia e encaminhamento vocacional. “Importante pensarmos em algo que trabalhe essa garota de forma global que, além de todas as questões da adolescência, lida com a vivência fora da família e as incertezas da vida adulta que está por vir em uma sociedade machista”, salienta Fernanda.

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Conhecer-se, contextualizar-se, respeitar-se, aceitar-se e apropriar-se do que é seu são os passos necessários na construção de uma identidade que possa se sustentar diante do espelho e longe dele.

Atualmente, o Projeto Identidade no Espelho atende 23 meninas sob a coordenação da Miriam Elizabeth e da psicóloga Renata Cardoso.

A formação da identidade de cada sujeito engloba as percepções sobre si mesmo e as que uma determinada cultura, em determinado contexto histórico e social, tem sobre os sujeitos.

No Brasil, de acordo com dados no SNA do Conselho Nacional de Justiça, 34.820 crianças e adolescentes (26/03/2020) vivem em serviços de acolhimento, 60% são adolescentes e estão equiparados entre meninas e meninos. A maioria é parda (48,8%), 34,4% são da etnia branca, 15,5% preta, 0,8% indígena e 0,4% amarela. 

À luz da realidade do acolhimento institucional de crianças e adolescentes no país, que reúne milhares de crianças e adolescentes pouco estimulados a se questionarem sobre suas percepções de si e do mundo, a Associação Bolsa de Valores Humanos identificou a necessidade de mergulhar na identidade individual e coletiva desse público. Em 2017, foi ministrada uma oficina, sob a coordenação da psicóloga Renata Cardoso, com a finalidade de oferecer espaço para que cada um (membros da equipe técnica, educadores e crianças de um dos serviços de acolhimento de Campinas) pudesse se perceber e colocasse em palavras como se viam no mundo. Esse era o embrião do que viria se tornar o projeto Identidade no Espelho.

Naquela primeira vivência proporcionada pela Oficina, os participantes puderam falar um pouco sobre si mesmos, identificar as características físicas de cada um e tiveram um primeiro contato com a  importância do autocuidado. Aquele encontro produziu um rico material que apontou para a necessidade de acolher, escutar e viabilizar vivências individuais e coletivas para a (re) construção e (re) conhecimento de identidade (s) daquelas crianças e adolescentes. Nesse cenário, compreender o feminino e a importância das consciências de gênero e de raça foi o caminho para fortalecer o protagonismo das meninas e adolescentes que estão em serviços de acolhimento de Campinas.

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